Entrevista para O Estado RJ Online
Esta entrevista foi dada para a revista de Internet O Estado RJ Online, e feita por Maria Clara Senra.
O Estado RJ Online: O que é o Conselho SteamPunk e quem o fundou?
Meu nome é Bruno Accioly, sou analista de sistemas editor chefe do OutraCoisa.com.br e co-fundador do Conselho SteamPunk, criado em 2008 por mim e por Raul Cândido Ruiz.
O Conselho SteamPunk tem por objetivo divulgar, explicar, inspirar, homenagear e produzir cultura SteamPunk e está presente em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul através de grupos denominados “Lojas”, para as quais o Conselho fornece infra-estrutura de hospedagem internet e soluções tecnológicas de forma gratuita.
O Estado RJ Online: Qual é a origem do termo “steampunk”?
O termo SteamPunk surge como uma corruptela do termo CyberPunk. Uma vez que o CyberPunk era um sub-gênero da ficção científica que se ambienta em uma sociedade de alta tecnologia e o SteamPunk se ambienta em uma realidade marcada pelo uso do Vapor (Steam), o escritor K.W. Jeter achou por bem batizar classificar seus trabalhos e os de alguns outros autores da mesma forma.
Há algum debate sobre o nome até hoje, mas acaba que “Punk” no “SteamPunk” ficou menos importante em termos de significado.
O Estado RJ Online: O que é ser “steampunk”? Qual a origem dessa “tribo”?
Cada vez mais usa-se o termo SteamPunk para descrever mais que um sub-gênero da ficção científica. Antes de explicar o que é “ser” SteamPunk é preciso explicar o que é o SteamPunk.
Trata-se de uma proposta de ambientar uma história – contada em literatura, quadrinhos, filmes ou no meio que se deseje – em um Universo onde todo o apelo estético-cultural se baseia na Era Vitoriana. Este período do Século XIX foi marcado pela revolução industrial, evoluções na engenharia e pela eufórica sensação de que todos os problemas do mundo seriam resolvidos através de máquinas suficientemente complexas.
Os entusiastas do gênero SteamPunk costumam se interessar por todo material publicado dentro desta proposta e, em alguns casos, se filiar a instituições como o Conselho SteamPunk (www.steampunk.com.br), montar seu próprio grupo SteamPunk ou mesmo participar de eventos usando roupas vitorianas e apetrechos tecnológicos anacrônicos e retrofuturistas.
Ser SteamPunk, ou Steamer, não é tão diferente de ser Trekker (Star Trek), Jedier (Star Wars), Brown Coat (Firefly). A maior diferença é que não existe um “dono” do gênero SteamPunk, o que permite que qualquer um produza cultura SteamPunk, em qualquer meio disponível.
O Estado RJ Online: Quais são os ídolos dos Steamers?
Por conta de o sub-gênero SteamPunk ser atribuído até mesmo a autores que já existiam antes do termo ter sido cunhado, como Julio Verne e H.G.Wells, muitos dos autores adorados por Steamers não são contemporâneos e boa parte da literatura Vitoriana, de alguma forma, nos inspira interesse.
A maior parte dos ídolos dos Steamers são autores, mas há uma tendência clara para a adoração da obra, acima do autor, a meu ver.
É o caso de livros como “20 mil Léguas Submarinas”, “A Máquina do Tempo”, “Bússola Dourada”; filmes como “Liga Extraordinária”, “SteamBoy”, “Van Helsing” e “A Cidade das Crianças Perdidas”; quadrinhos como “Girl Genious”, “Steam Detectives” e “Iron West”; e até mesmo bandas, como é o caso de Abney Park.
Há também um carinho especial por figuras históricas ligadas ao gênero, como Nicola Tesla, Santos Dumont, Charles Babbage, Oswaldo Cruz, Louis-Jacques-Mandé Daguerre, Thomas Carlyle, Francisco Freire Allemão, Thomas Edison, João Batista de Lacerda e tantos outros.
Isso dá um caráter importante a cultura SteamPunk, uma vez que a enraíza no imaginário do entusiasta através não só do entretenimento, mas do despertar da curiosidade a respeito da história.
O Estado RJ Online: Na comunidade do orkut “steampunk”, fala-se sobre a influência de Julio Verne e Mark Twain dentro dessa cultura. De que forma essa influência ocorre?
Não é muito difícil compreender, na verdade. Afinal, ambos os autores são referência da cultura da época, seja em termos de linguagem, costumes e cultura. No caso de Julio Verne, inclusive, a questão do fantástico – tão presente na cultura SteamPunk – fica bem evidenciada, sobretudo na forma de engenhocas impossíveis que se utilizam de tecnologia da época para fazer o improvável.
Há muito material disponível, descrevendo a realidade Vitoriana, e mesmo Conan Doyle, com Sherlock Holmes; Mary Shelley, com “Frankenstein”; e Bram Stocker, com “Drácula”… toda literatura de época pode ser invocada para inspirar Steamers a escrever, desenhar, se vestir ou simplesmente se divertir de alguma forma dentro do gênero.
O Estado RJ Online: Em relação à moda, qual seria o estilo “steampunk”?
Essencialmente a moda SteamPunk passa pela época vitoriana, jaquetões, chapéus, cartolas, coletes, gravadas com nós elaborados, trajes formais, corpetes, blusas de tecidos rústicos ou até bastante sofisticados e com um cuidado “barroco” em sua confecção. Se você viu algum filme ambientado no Século XIX você já está a meio caminho de entender qual a “moda SteamPunk”.
Mas não se deve parar aí. O SteamPunk é mais que um retorno à Era Vitoriana. Trata-se de um retorno à uma época que jamais aconteceu. Como se, no Século XIX, o Homem tivesse conseguido alçar vôos muito maiores somente com o uso do vapor e da eletricidade.
Por conta disso, muitos dos acessórios SteamPunk são profundamente excêntricos e se pode ver pessoas equipadas com desconcertantes armas de raios, bengalas a vapor, cartolas ornadas com bobinas elétricas e muitos outros objetos deslocados no tempo, quase todos em couro, latão e bronze.
O Estado RJ Online: E em relação á música e ao cinema?
Steamers costumam discutir bastante a questão, atribuindo ao gênero bandas e músicas que inspiram os entusiastas e, de alguma forma, remetem ao SteamPunk.
Abney Park e Vernian Process são as bandas mais diretamente ligadas ao tema mas existe especial afinidade com Tom Waits, Emilie Autumn, Depeche Mode, The Cure, Nine Inch Nails, David Bowie, The Dresden Dolls e Within Temptation, por exemplo.
O cinema ainda está descobrindo o SteamPunk como linguagem, o que limita um pouco o número de filmes que podem ser citados, mas algumas produções vêm carregando influência bastante óbvia em sua cenografia e até mesmo no enredo. Algumas produções ligadas ao SteamPunk de alguma forma são, “Do Inferno”, “20 mil Léguas Submarinas”, “Brazil, o filme”, “A Máquina do Tempo”, “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”, “Vidocq”, “A Irmandade do Lobo”, “Volta ao Mundo em 80 dias”, “Delicatessen”, “Jovem Sherlock Holmes”, “A Bússola Dourada”, “Hellboy”, “Liga Extraordinária”, “Wild Wild West”, “Van Helsing”, “SteamBoy”, “De Volta para o Futuro III”, “Frankenstein, de Mary Shelley”, “O Planeta do Tesouro” e “A Cidade das Crianças Perdidas”, são alguns exemplos comuns.
O Estado RJ Online: É interessante divulgar a cultura “steampunk” ou isso pode prejudicar o movimento fazendo com que seja apenas uma “modinha”?
Toda contra-cultura tem de passar por isso… Citando a artista plástica Jessica Joslin, entrevistada pelo Conselho SteamPunk: “Todo movimento de contra-cultura, quando atinge certo grau de popularidade, sofre com um efeito colateral inevitável. […] agora que o movimento ganhou [fora do Brasil] notoriedade, para cada grupo de pessoas que amam o SteamPunk há aqueles que dele se afastaram pelo mesmo motivo.”
É comum que aqueles que aderem a um movimento por conta de este ser incomum, se afastem quando ele se torna corriqueiro… mas me parece que todo movimento de contra-cultura sobrevive ao interesse da maioria-entediada que se aproxima ocasionalmente.
O SteamPunk tem grande potencial em termos de linguagem, criação artística e produção de subjetividade. Contar uma história através de “lentes SteamPunk” agrega valor e, em si, significa muito. O gênero em si é uma declaração de intenções e visão de mundo.
O Estado RJ Online: Por onde um interessado deve começar para se tornar um Steamer?
Basta se cadastrar no Registro SteamPunk: www.steampunk.com.br/registro-steampunk/
Vale começar também a explorar o material disponível no site: www.steampunk.com.br
Um material diversificado e de ótima qualidade pode ser encontrado em: sp.steampunk.com.br
Há comunidades do Conselho SteamPunk no Orkut e também no Twitter.
Para os interessados em CosPlay vale visitar: www.steamgirls.com.br
Basta caçar na internet os links mais relevantes, começar a ler, ver filmes e se divertir bastante.
Se alguém se interessar em colaborar com o Conselho SteamPunk ou criar uma Loja em sua cidade, basta entrar em contato através do endereço: b.accioly@steampunk.com.br
A entrevista acima serviu de insumo para o artigo publicado em: O Estado RJ Online