SteamPunk ~ If SteamPunk is the future…
Começou…
Não se passou mais de uma semana desde que a IBM lançou sua campanha publicitária na forma de um infográfico que sugeria que o SteamPunk viria a se tornar uma grande onda nos próximos anos e os Mainstream Haters, que sabem pouco ou quase nada acerca do que estão falando, começaram a ter chiliques.
Odiadores odiarão… não há como escapar disso.
Em texto recente, entitulado “Se o SteamPunk é o futuro mate-me agora” (no original, “If SteamPunk is the future, kill me now”), Clive Martin escreve para a Vice.com uma sequência de completos equívocos, pré-conceitos, falsos conceitos, paralogismos e asneiras sobre o SteamPunk que denunciam que, muito embora o gênero possa vir a se tornar mainstream, ainda falta muito para chegar lá – do contrário, provavelmente, o autor teria escrito com mais propriedade!
Em seu artigo alarmista e receoso daquilo que não compreende, Clive Martin destila uma sequência indesculpável de argumentos polemistas que revelam o tamanho de sua ignorância para falar do assunto.
Não há dúvida que boa parte da imprensa visita tudo o que é incomum e transforma seu objeto de avaliação em uma piada, uma catastrofe social ou um espetáculo bizarro, sempre em nome de vender papel sujo para quem prefere entender o mundo através da janela estreita das páginas de uma revista sensacionalista! Mas se o autor escolhe somente ler o que há de sensacionalista acerca de algo que explicitamente não compreende, isto somente expõe quão desqualificado é para escrever a respeito.
Desde 1987, quando surgiu o SteamPunk, um sem número de artigos, ensaios, teses, publicações e produtos culturais de todo o tipo vêm engrossando as fileiras de material relevante que explica, justifica e legitima tanto o gênero quanto o movimento.
A moda é, em boa medida, contruída a partir do interesse que a mídia tem pelos movimentos culturais, os quais avidamente procura para então torná-los públicos, seja através de publicações relevantes ou não e, quando o público em geral resolve que aquilo é interessante não tem muito jeito.
Tudo o que era considerado Nerd vêm se tornando mainstream desde muito antes de “Matrix” ter saído nos cinemas e, por algum motivo – talvez por falta de boas idéias na praça – um a um, cada interesse outrora considerado Nerd vem ganhando a chancela da “Cultura Pop”, para o melhor e para o pior.
Quem tem mais de 30 anos, e até menos, sabe bem que as tendências culturais em evidência estão em constante desfile e que a Ficção Científica, a Fantasia, o SteamPunk, o DieselPunk, o CyberPunk e todas os demais gêneros vêm se revezando já há muito, ainda que seus nomes sequer fossem de domínio público.
Filmes e mais filmes vêm bebendo na fonte da estética SteamPunk sem que haja nem compromisso nem intenção de associar diretamente o tal filme com o gênero que, até pouco tempo, era obscuro o suficiente para causar confusão em qualquer espectador desavisado.
A estética SteamPunk é diferente, referencial, interessante e cativante – como tantas outras – e, portanto, quem a consome em um filme e a aprecia, acaba que, ao descobrir que a estética tem um nome, diz: “Ah! Então é esse o nome daquilo que eu já gostava!”
O preço, contudo, é que muita gente só conhece o aspecto estético dos gêneros cujos nomes descobrem nas reportagens de periódicos competentes ou nem tanto e, com isso, uma geração de especialistas medíocres, acaba por se contentar com sua cultura de almanaque, no lugar de gastar um pouco mais de tempo para saber mais acerca do que está lendo.
Mas quem é que tem tempo hoje em dia? Pois bem… se alguém devia arranjar tempo para saber mais acerca do SteamPunk é quem escreve sobre ele de forma tão incompetente!
O SteamPunk, ao contrário do que foi sugerido no artigo citado, não é um movimento retrógrado, não é uma manifestação de rejeição do atual, não é um abraçar nostálgico de uma Era Vitoriana que nunca existiu, não é um movimento de pessoas que se vestem com fantasias e não se acha mais ou menos especial do que qualquer outro movimento.
Quando, em 1977, George Lucas lançou “Star Wars” a febre geral se alastrou rapidamente e, até hoje, uma legião de fãs já mais velhos continua consumindo e reconsumindo desde filmes, passando por jogos de computador até trajes completos para celebrar seu interesse por um produto que virou franquia e que está por aí há mais de 36 anos!
O SteamPunk não começou como produto. Não houve um filme ou um livro ou um autor. O que ocorreu é que autores da década de 70 e 80 começaram a escrever ficção científica do Século XIX no Século XX e, com o tempo, um destes autores resolveu dar um nome para o gênero para que fosse mais fácil explicar do que se tratava.
Os Steamers são entusiastas como quaisquer outros, têm talento para o consumo e, em grande número, se mostram talentosos na produção de cultura SteamPunk em uma miríade de formas de expressão que vão desde a literatura, passando pela ilustração, escultura e chegando até a moda e a música.
O estilo Retrô está aí até hoje, frequentemente identificamos o Vintage, o Camp, o Kitsch e os tradicionais Art Déco, Art Nouveau e é de uma falta de reflexão lamentável ignorar a influência dos gêneros literários, cinematográficos e movimentos culturais dos últimos 40 anos (!!!) nos dias de hoje.
O SteamPunk se mostra uma das mais interessantes ferramentas de crítica ao momento atual justamente através da denúncia dos erros do passado. É exatamente através da irreverência da estética disfuncional e desgraciosa da tecnologia do Século XIX que podemos questionar as incoerências de muitas das propostas tecnológicas atuais. E é precisamente por conta do potencial distópico e melancólico que o SteamPunk se mostra uma ferramenta narrativa poderosa.
Estamos na Era dos Memes, onde a menor parte de uma idéia se propaga através de bordões que ecoam eternamente através do heróico Zeca Pagodinho de quadriciclo, da mentecápta Nana Gouveia do apocalipse, do invencível Chuck Norris e seus punhos de aço e da Luíza, que foi para o Canadá. Isso sempre foi assim em qualquer grupo de amigos um pouco mais inteligentes e, no entanto, depois que o Meme ganhou nome e conceito, jornalistas – que parecem nunca ter folheado McLuhan ou Dawkins – resolvem que Meme é coisa de gente burra.
Aqui no Brasil temos uma tradição embrionária no SteamPunk. Ainda que os livros e filmes de Julio Verne e H.G.Wells tenham alcançado muitos de nós e que a Devir tenha trazido o GURPS SteamPunk para cá logo que pode, só em 2007 este site foi para o ar e só em 2008 Rio de Janeiro e São Paulo resolveram dar início ao que se transformou em uma comunidade de mais de três mil entusiastas em todo o país, com mais de uma dezena de Lojas marcando presença em vários estados brasileiros.
E ainda que sejamos tão jovens no cenário SteamPunk mundial, nossa clareza no entendimento do SteamPunk e de sua abrangência cultural vem sendo importada por outros países e dividida com todos os que se interessam por nossa abordagem multifacetada e cheia de diversidade do conceito, do gênero e do movimento.
SteamPunk é a produção de ficção científica do Século XIX no Século XXI, através de qualquer forma de expressão – e este argumento simples desmonta com facilidade a mais estruturada crítica acerca da cultura SteamPunk.
O SteamPunk não é o futuro e não faz sentido que o seja, mas não há como evitar que ele faça parte do amanhã porque, viajantes no tempo que somos, insistimos em surgir e ressurgir sempre que temos a oportunidade!
Para saber mais:
“If SteamPunk is the future, kill me now”