The Ningyo
O Professor Marlowe, antes um proeminente caçador que trazia espécies raras para serem taxidermizadas e expostas no museu, hoje encara as coisas de uma forma diferente, e faz o que pode para elas sejam conservadas, Coincidindo com essa mudança de atitude, ele se depara com parte de um mapa que indica onde encontrar o misterioso Ningyo, uma criatura lendária do Japão. A lenda diz que aqueles que consomem a sua carne são agraciados com imensa longevidade… mas as lendas também avisam que desastre ocorrem ao se encontrar o Ningyo. Ao apresentar o projeto de encontrar a criatura aos seus colegas acadêmicos, Marlowe é ridicularizado, mas decide arriscar tudo para encontrar a criatura, pensando na grande contribuição para a ciência que isso pode representar. O que ele não tinha como antecipar, é que seria confrontado com uma escolha que colocaria em cheque as fundações de sua recém encontrada moralidade…
Uma história sobre a busca real de criaturas mitológicas.
Uma aventura sobre exploradores investigando cavernas escuras e profundezas aquáticas.
Um conto Faustiano sobre perder a si mesmo no processo de atingir os próprios objetivos.
Essa é a premissa básica do curta The Ningyo, feito pelos artistas de efeitos especiais Miguel Ortega, e Tran Ma, como um piloto para um possível filme ou série de TV. Mas a história vai bem além disso, tanto nos detalhes da narrativa, quanto na história de sua produção. Entretanto, antes que eu fale de tudo isso, assista o curta:
Assistido?
Agora sim, podemos continuar.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Apesar dos elementos fantásticos, muito da história de The Ningyo, tem como âncora fatos e personalidades históricas da virada do século passado, dando um tom de realismo para contrastar com os elementos de fantasia presentes na história. Situada em 1911, a história mostra uma época em o mundo apresentava ainda mais mistérios que hoje em dia, e com a ciência ainda engatinhando, a possibilidade de monstros e criaturas misteriosas não era algo tão irrisório. Essa foi uma época em que diversas criaturas consideradas mitológicas, foram, de fato, descobertas, como, por exemplo, o Okapi (que é mencionado no curta), durante anos considerado “o Unicornio Africano”, o animal foi identificado pela primeira vez para a ciência no Congo, em 1901.
Assim que foi encontrado pela primeira vez, o Okapi foi abatido, taxidermizado, e enviado para exposição em um museu, e isso toca um outro ponto ilustrado no curta. Na virada do século passado, foi quando o conservacionismo surgiu, saído diretamente dos hábitos dos grandes caçadores, que começaram, em uma atitude que pode ser considerada contraditória, buscando animais exóticos, para que pudessem abatê-los, e “preservá-los” em museus. A atenção à vida selvagem trazida por essas figuras, acabou trazendo a conservação de habitats, e das próprias espécies, a fim de evitar que se extinguissem, ao foco do público.
O professor Marlowe, personagem principal do curta, é claramente o eco de tais exploradores, especialmente da figura de Carl Akeley (1864-1926), que foi biólogo, taxidermista, e eventualmente conservacionista. Akeley começou caçando animais para que fosse expostos em museus de história natural, isso fez com que começasse a estudar as espécies em seus habitats, a fim de reproduzir melhor as formas que tinham em vida, bem como o ambiente em que viviam (até então, a maioria dos animais empalhados se pareciam muito pouco com que haviam sido em vida, e era expostos apenas em palanques). Akeley começou a desenhar, estudar os movimentos, a musculatura, e a produzir esculturas dos animais, usando tudo isso como referência para quando fossem montados, o que ele fazia em dioramas que reproduziam o ambiente em que viviam. Enquanto estudava Gorilas, as atitudes de Akeley sobre os animais mudaram completamente, e ele passou a defender a conservação dos animais na natureza, e não apenas montados em museus, e pelo resto de sua vida ele trabalhou para criar um parque de proteção aos gorilas nas montanhas Virunga.
TECNOLOGIA
A tecnologia presente em The Ningyo também dá um grande toque de realismo aos aspectos fantásticos da história. Tudo, mesmo o que é mais exagerado, é apresentado de uma maneira que seria plausível para a era em que tudo se passa, sem armas de raio gratuitas, ou nada que destoe do tom da narrativa. Em uma entrevista, Ortega mencionou que embora o objetivo fosse um determinado visual (que sabemos qual é), ele não queria “engrenagens coladas em cartolas”. Em uma determinada sequência, vemos uma exploração aquática feita em um escafandro claramente inspirado no traje submarino criado pelos irmãos Carmagnolle em 1882, na França.
MITOLOGIA
A criatura que dá o título ao curta, o Ningyo, é um ser clássico do folclore japonês. De acordo com a lenda, o Ningyo pode ser descrito como algo parecido com uma sereia, meio peixe, meio humanoide, e com uma voz melodiosa. A carne do Ningyo seria saborosa, e todos que comem dela ganham grande longevidade. Entretanto, capturar um Ningyo traz tempestades e tragédias, e os pescadores que os pegavam por engano, sempre os jogavam de volta ao mar. Um Ningyo morto na praia, era o profecia de calamidades ou até de guerras.
Assim como o okapi, o rinoceronte, e a lula gigante, que eram considerados apenas mitos até serem descobertos, contando apenas com relatos lendários e especulações como prova de sua existência, o curta estabelece a crença de Marlowe que através de investigação científica, é possível chegar na verdade por trás de uma criatura aquática mitológica como a Melusina, as Ondinas, e em particular, o Ningyo.
A crença que seres míticos tem algum fundo de verdade é um dos principais preceitos da criptozoologia. A criptozoologia estuda ocorrências de animais presumidamente extintos, bem como seres lendários, hipotéticos ou avistados por poucas pessoas, sempre abordando o assunto de um ponto de vista antropológico, relacionando os mitos de várias culturas com animais extintos, ou até agora desconhecidos. Apesar do fato da maioria dos biólogos, zoólogos e folcloristas mais tradicionais encararem a criptozoologia como uma pseudociência, não há como negar que os diversos bestiários zoológicos da antiguidade incluem criaturas consideradas fantásticas, e que hoje em dia se sabe serem reais. O já citado Okapi, era inclusive o animal símbolo da (ironicamente) já extinta Sociedade Internacional de Criptozoologia.
A Criptozoologia, apesar de ser algo recente nessa denominação, remete a muito do espírito de exploração do desconhecido do fim do século XIX e início do século XX, e seu uso em The Ningyo cria uma ótima atmosfera.
O curta também pega outra lenda, e a encara de maneira diferente.
Na lenda da Yao Bikuni, é contado sobre um pescador da província de Wasaka, cuja filha acidentalmente provou da carne do Ningyo. A menina cresceu, se casou e teve filhos, mas deixou de envelhecer, mantendo a mesma aparência jovem enquanto seu marido, filhos e netos envelheciam e e por fim morriam. Após muitos anos, e muitos casamentos, ela decidiu se tornar uma monja andarilha, vagando pelo japão e outros países por décadas, até que voltar a sua cidade natal, após 800 anos. No curta, não vemos a Yao Bikuni original, mas somos apresentados ao seus descendentes, gerações de uma família com a missão de proteger o segredo do Ningyo, para impedir as catástrofes que a descoberta da criatura pode causar. Essa é mais uma maneira que o curta usa para dar um elemento fantástico na história, mas ainda manter tudo com um certo realismo… bem, o quão realista uma história sobre uma criatura aquática lendária pode ser.
MAKING OF
A produção de The Ningyo é algo quase tão impressionante quanto o produto final. O filme, que foi financiado pelo Kickstarter, levou três anos para ser terminado, e exigiu todo o tempo, criatividade, recursos, e ajuda de amigos da indústria que os criadores possuíam.
A maioria das cenas de interior foram gravadas na própria casa de Miguel Ortega e Tran Ma. Eles construíram os sets seção por seção, ao quarto virou o escritório de Marlow, as escadas da sala foram usadas para a caverna, a sala era o escritório de Sealous e o corredor cheio de criaturas exóticas.
Cada set era construído, desmontando, e o espaço usado para outro set.
Apesar do uso o chroma key para expandir os ambientes digitalmente, eles tentaram produzir o máximo que podiam de peças físicas para a ambientação dos sets, principalmente o que teria contato direto com os atores, peças de época, ou que pelo menos tinham o visual certo da época, foram compradas usados pelo menor preço que podiam pela internet, e então restauradas e alteradas para chegar em sua aparência ideal para a câmera.
Video dos bastidores de produção de The Ningyo
Ma e Ortega criaram sozinhos cerca de 90% dos efeitos físicos e digitais do filme, com a ajude de apenas um animador para o movimento de criaturas, e 15 computadores funcionando 24 horas por dia durante três anos para todas as renderizações de efeitos digitais, fazendo uso dos software Nuke, e Maya. O casal fez o equivalente ao trabalho de uma uma companhia de efeitos visuais com pelo menos 30 funcionários. Mas seu esforço, desde o estabelecimento dos conceitos, da identidade visual, o trabalho e afinco nos efeitos práticos e sua execução para que o resultado final fosse uniforme é algo tão impressionante quanto o uso da arte digital na pós-produção.
The Ningyo já foi selecionada para exibição em vários festivais no ultimo ano, e também foi convidado para sessões especiais na Walt Disney Animation e Blizzard Cinematics, e é uma questão de tempo até que um acordo de filme ou série seja anunciado para o projeto.
THE NINGYO
Criado por: Miguel Ortega e Tran Ma
Produzido por: Miguel Ortega
Design de Produção: Tran Ma
Roteiro: Miguel Ortega, Tran Ma, e Gregory Collins
Musica: Daniel Dombrowsky
Elenco: Rodrigo Lopresti, Jerry Lacy, Tamlyn Tomita, Louis Ozawa Changchien, Mali Matsuda, Gabe Fazio, Jiin Jang, Moe Fujimoto, e Marilyn Monrovia.
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