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Kareem Abdul-Jabbar & Mycroft Holmes - SteamPunk
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jul 02 2018

Kareem Abdul-Jabbar & Mycroft Holmes

O que o mais famoso detetive da ficção, Sherlock Holmes, tem em comum com um dos mais famosos jogadores de basquete do mundo, o ativista, autor e embaixador cultural (e discípulo do Bruce Lee), Kareem Abdul-Jabar?

A resposta é Mycroft Holmes.

Kareem Abdul-Jabbar não é estranho a literatura, desde a sua autobiografia, Giant Steps, em 1983, a lenda da NBA lançou diversos livros, entre eles “On the Shoulders of Giants: My Journey Through the Harlem Renaissance”, e “What Color Is My World?: The Lost History of African-American Inventors”, (em parceiria com Raymond Obstfeld), e “Brothers in Arms: The Epic Story of the 761st Tank Battalion, World War II’s Forgotten Heroes” (com Anthony Walton), que conta a história de unidade armada formada apenas por soldados negros que serviu com distinção na Europa durante a Guerra, além de suas contribuições como colunista para diversas publicações. Mesmo assim, muitos se surpreenderam quando, em 2015, ele lançou seu primeiro romance de ficção.

Escrito em conjunto com a editora, roteirista e produtora Anna Waterhouse (com quem também colaborou no premiado documentário “On the Shoulders of Giants”), o livro em questão é nada menos que um romance protagonizado por Mycroft Holmes, o irmão mais velho, e mais inteligente, do famoso detetive criado por Sir Arthur Conan Doyle.

 

Mas o Mycroft do livro de Kareem Abdul-Jabbar não é o mesmo que conhecemos pela primeira vez em A Aventura do Interprete Grego, o corpulento misantropo de meia idade que apesar de ser vital para o governo britânico por suas faculdades mentais, também criou um clube unicamente para pessoas que desejam não falar umas com as outras. Não, o Mycroft que conhecemos no romance, apesar de já trabalhar para o governo, acabou de sair da Universidade, e está apenas começando sua vida adulta.

O romance mostra uma aventura do jovem Mycroft Holmes na ilha de Trinidad, na época colônia britânica. A aventura se dá quando seu amigo, Cyrus Douglas, que nasceu em Trinidad, escuta notícias perturbadoras vindas de casa. Desaparecimentos misteriosos, pegadas estranhas na areia, histórias de espíritos causando a morte de crianças, que estão sendo encontradas sem um pingo de sangue no corpo. Ao escutar tais notícias, Georgiana Sutton, a noiva de Mycroft, que cresceu na ilha, parte para lá imediatamente, e alarmado, Holmes convence Douglas que eles também devem ir, onde são atraídos para uma teia de mistérios que se torna mais traiçoeiras a cada passo que tomam.

Um grande fã de Sherlock Holmes, Karem Abdul-Jabbar começou sua relação com personagem com os filmes de Basil Rathbone, mas foi quando, ainda novato no basquete, ele começou a ler uma compilação das histórias do aquilino detetive, que sua mente foi totalmente cativada. E mesmo depois de ler Sashiell Hammet, Raymond Chandler, John le Carré, e tantos outros, a fascinação continuou.

No artigo “Why we love Sherlock Holmes”, Abdul-Jabbar explicou:

“Na Aventura do Carbúnculo Azul, Holmes diz ‘É meu trabalho saber o que outras pessoas não sabem’. Quando jovem, eu tomei esse glorioso pronunciamento como um desafio pessoal, Claramente Holmes era capaz de triunfar sobre a vilania do mundo porque ele sabia muito mais que todos os outros. E mesmo naquela época, meu mundo era muito familiar com vilania. Ser negro nos anos 60 e 70 era especialmente perigoso, como eu descobri várias vezes. As pessoas não só tinham permissão de serem racistas; muitos agiam como se fosse uma obrigação. E porque preconceito é baseado em falta de informação e pensamentos errados, eu naturalmente apreciei a insistência de Holmes em lógica e fatos como a forma mais sábia de formar opiniões. EU imaginava que se todos pensássemos como ele, o mundo seria livre de preconceitos. ”

Segundo Abdul-Jabbar, ele até usou os métodos de Sherlock Holmes em seus jogos de basquete.

“Saber o que outras pessoas não sabiam significava ter mais controle sobre sua vida. Essa revelação imediatamente influenciou como eu encarava basquete, onde eu pratiquei os poderes de observação de Holmes nos meus oponentes. Como jogávamos com os mesmos times váris vezes, eu comecei a observar os movimentos de cada jogador, hábitos, pontos fortes e fracos, catalogando tudo em meu arquivo mental. É claro, muitos outros jogadores e treinadores fazem isso, mas eu queria que meus ‘arquivos’ fossem ainda mais detalhados. Eu então lembrei como Holmes usava esses garotos de rua, os Irregulares da Baker Street, para reunir informações uteis, e eu comecei a prestar bastante atenção nas conversas entre os gandulas e outros funcionários. É difícil ser discreto quando se tem mais de dois metros, mas eu fiz o melhor que pude. E deu certo. Uma vez, por exemplo, eu escutei dois gandulas fazendo piadas sobre como o Bob Lanier, do Detroit Pistons, e o seu treinador gostavam de fumar nos vestiários durante o intervalo. Foi aí que eu decidi fazer o Lanier correr por toda a quadra o máximo que pude para cansar seus pulmões de fumante.”

Existem diversas histórias sobre as primeiras aventuras de Sherlock Holmes, quer seja em livros como “Uma Solução Sete Por Cento” de Nicholas Meyer, ou filmes que vão do divertido “O Enigma da Pirâmide”, dirigido por Barry Levinson, ao incrível  “A Vida Privada de Sherlock Holmes” de Billy Wilder. Desde William S. Baring-Gould essa é uma área que autores sempre gostaram de explorar. Entretanto, Mycroft sempre foi uma figura elusiva nessas representações, sempre sendo mostrado apenas sob a luz de sua relação com o famoso detetive. Possivelmente isso se dá pela falta de material original a ser extrapolado. Das 56 contos e quatro romances do cânone, Mycroft só está presente em quatro, em nem em todas pessoalmente.

The Private Life of Sherlock Holmes, 1970

Mas o pouco que sabemos, é intrigante. Sabemos que ele é intelectualmente superior ao seu irmão, que trabalha para o governo Britânico, e que, em ocasiões, ele é o governo Britânico, isso em uma época em que a Grã-Bretanha era um superpoder mundial. Isso traz possibilidades interessantes sobre o que alguém como ele é capaz, e traz uma grande área a ser explorada, especialmente sobre como ele chegou a tal ponto.

É exatamente isso que Kareem Abdul-Jabbar e Anna Waterhouse decidiram desenvolver em seu livro.

“Mycroft Holmes” foi um livro escrito com cuidado, como é de se esperar de uma obra com um personagem icônico da literatura (by proxy). Não apenas a ambientação quando estamos na Londres Vitoriana é detalhada e vívida, mas a Trinidad do século XIX é apresentada de maneira extremamente atmosférica e crível. É quase possível respirar o ar salgado do porto da ilha enquanto se lê o livro.

O livro também é repleto de pequenas curiosidades históricas verídicas. A regata entre Oxford e Cambridge que ocorre no início do livro, por exemplo, é acurada ao ponto de incluir os nomes dos participantes e suas posições de remo. O grupo “The Harmonious Fists” é baseado em um grupo real de artistas marciais chineses, e os Merikens, ex-escravos americanos que lutaram do lado dos britânicos, também são bem reais.

Kareem Abdul-Jabbar menciona sobre a pesquisa e processo de desenvolver o livro:

“Eu já conhecia bastante da história de Trinidad. Durante minha vida eu sempre me interessei, porque tenho família lá. Facilitou na pesquisa e em acertar os detalhes. Trinidad era parte do Império Britânico. Então, no livro temos alguém como Douglas, que é de Trinidad e tenta começar um negócio na Inglaterra, o que é arriscado, devido ao preconceito racial. Holmes, sendo o tipo de pessoa que ele é, firma amizade com alguém que a maioria das pessoas da Inglaterra não se associaria – ‘estrangeiros’. Isso não era algo socialmente aceito”

Em um primeiro momento é fácil achar que o personagem Cyrus Douglas é apenas um Watson para Mycroft, entretanto, a relação dos dois tem uma dinâmica diferente. Embora o jovem Mycroft seja tão observador quanto sua versão futura, e consideravelmente mais proativo, ele também é jovem e inexperiente. Douglas, dez anos mais velho, é um personagem que tem toda a maturidade que Mycroft ainda não tem, e a história de sua família serve como uma triste lembrança da história de seu país, o que certamente vem da ligação de Kareem Abdul-Jabbar com a ilha.

“Eu poderia ter feito ele um Indiano, e fazer a história interagir com a India. Mas visto o que eu já conhecia sobre a história de Trinidad, que junto da Jamaica, era um ponto de comercio importante e colônia Britânica, levou a criação do personagem Cyrus Douglas, e a sua ocupação. […]Pessoas veem a Inglaterra Vitoriana como algo separado de todas as colônias, e em nossa história queríamos mostrar como elas estavam conectadas. Gente de toda parte do mundo que eram súditos do império iam parar em Londres e interagiam com os moradores da cidade, e você nunca vê isso em nenhuma representação da Londres da época. São sempre britânicos brancos, e esse não era o caso. Havia gente da China, da India, Burma, Africa, Oriente-Médio.

 


[…]A verdade é que ele [Douglas] surgiu quase que inteiramente formado. Anna e eu sabíamos quem ele era desde o início. Sabíamos que ele teria de seguir Mycroft de perto, e sabíamos que ele teria de ser o centro moral do livro. Isso tinha de vir de um lugar real. Ele ser um homem negro lhe deu várias dificuldades naquela Era que funcionaram para solidificaram como personagem, em termos do que ele passou e sobreviveu… então tivemos de descobrir como um britânico branco se tornaria o melhor amigo com um homem negro daquela era, e como sua noiva (muito) branca também teria laços com Trinidad”.

 

Anna Waterhouse não conhecia nada sobre Mycroft Holmes até Abdul-Jabbar presenteá-la com a mesma compilação de histórias que o havia fisgado quando jovem. Não demorou para que ela também ficasse familiar com a obra de Conan Doyle, assim como com a história da ilha de Trinidad. Embora, durante o processo de escrever o livro, Waterhouse fosse mais focada em diálogos e estrutura narrativa, enquanto Abdul-Jabbar cuidava mais da ambientação e plot, bem como pesquisa histórica, eles dizem que a contribuição de ambos no livro foi bem balanceada.

“Ela é meticulosa com a pesquisa. E ela escreve diálogos de uma maneira de que não consigo. Mas é difícil separar como ‘eu faço isso, ela faz aquilo. ’ Nós discutimos ideias. Nos rebatemos conceitos para a história. Passamos os capítulos um para o outro várias vezes até estarmos prontos para continuar. Mas não é como se voltássemos em cada trecho falando ‘eu coloquei essa virgula ali’. É mais uma questão de gosto e confiança. Eu confio no bom gosto dela, ela confia no meu. Nós continuamos até ambos acharmos que está bom o bastante.”

 

Anna Waterhouse complementa:

“Para o livro nós nos dividimos (e conquistamos). Kareem conhece bastante sobre a era Vitoriana, ele é fascinado por essa época em que a Grã-bretanha era o país mais poderosos do mundo, sem mencionar seu alcance em outros países em sua esfera de influência, da Africa até a India e o Caribe. Então ele é cheio de ideias e conexões políticas e sociais. Por conta do meu histórico em cinema, eu tento pintar um quadro, fazer os personagens o mais reais possível. Ambos nos asseguramos que toda a pesquisa servia os personagens e não estava ali só como enfeite. Então nós rebatemos os capítulos um para o outro e não paramos até seguirmos em frente ou até estarmos satisfeitos”

Entretanto, Kareem Abdul-Jabbar não ficou satisfeito com apenas uma mídia para sua versão de Mycroft Holmes. Em 2016, um ano após o lançamento do romance, Kareem Abdul-Jabbar levou o personagem para as histórias em quadrinhos na minissérie Mycroft Holmes and the Apocalypse Handbook, publicada pela Titan Comics.

Na minissérie, Mycroft, enquanto desperdiça suas habilidades mentais de maneiras que sua versão mais velha consideraria pouco dignas, se envolve em uma missão para recuperar os planos para armas de destruição em massa. Isso o acaba levando em uma jornada até os Estados Unidos, onde ele junta forças com uma caçadora de recompensas. A versão em quadrinhos do Mycroft de Abdul-Jabbar é mais bombástica, e a narrativa é cheia de ação para se aproveitar melhor da arte de Joshua Cassara. Embora o plot seja mais simples, a história possui detalhes que inesperadamente humanizam tanto Mycroft, quando seu irmão.

 

E agora foi anunciado que em outubro desse ano um novo livro intitulado Mycroft and Sherlock” será lançado. Além disso, Abdul-Jabbar e Waterhouse confirmaram que um terceiro livro já está sendo terminado e tem o lançamento previsto para o ano que vem.

A nova história se passara em 1872, e além da volta de Cyrus Douglas, também contará com a participação do irmão mais jovem, e mais famoso, de Mycroft.

Na sequência, uma série de novos assassinatos acontece em Londres, e Mycroft Holmes, agora com vinte e seis anos, não tem o mínimo interesse em se envolver em uma possível investigação deles; entretanto, seu irmão mais novo desenvolveu uma estranha fascinação com o macabro, para o detrimento de seus estudos, e frustração de seu irmão mais velho.

“É um grande privilégio e uma responsabilidade continuar com esses personagens” mencionou Abdul-Jabbar sobre o novo romance “Anna e eu esperamos que nossa versão da juventude de Mycroft e Sherlock, e o primeiro caso de Sherlock, entretenham os fãs de Arthur Conan Doyle, e que atraiam novos fãs as obras clássicas. ”

 

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Karl Felippe
Karl@steampunk.com.br